Entre as duas colunas

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Quando se fala em unidade, automaticamente, pressupõe-se a existência de dois ou mais elementos,  e daí vem toda sabedoria . Vivemos em um mundo dual, desde a concepção de Deus até às observações mais simples em nosso próprio corpo.  A unidade só se manifesta pelo binário ou pela diversidade. Este não é um conceito fácil de ser entendido, porque exige  não apenas conhecimento, mas a disciplina sem preconceito para aprender. A partir do momento que acreditamos saber tudo, fechamos a porta do aprendizado:  ao invés de ler um livro, escrevemos outro, deixamos de ouvir para falar, e, sem que tenhamos consciência, vamos dificultando nossa unidade com Deus. Sabedoria é ser / estar justo e perfeito entre as duas colunas, é conciliar, unir, os dois princípios. É, segundo Eliphas Levy, ”o homem segundo as inspirações da mulher, é a depravação vencida pelo casamento, é a energia revolucionária abrandada  e dominada pelas doçuras da ordem e da paz, é o orgulho submetido ao amor, é a ciência reconhecendo as inspirações da fé”.

Nada sabemos, entretanto, não nos é permitido desconhecer. Saber e conhecer são conceitos diferentes. Para fazer visível a luz, Deus precisou apenas supor a sombra, assim como basta uma dúvida para se buscar a verdade. Assim, o universo é balanceado por duas forças que mantém o equilíbrio: a que atrai e a que repele.  Está presente na física, na filosofia, na religião, na política e é o que gera a crítica, a revelação progressiva, a espiral ascendente de conhecimento e a gama de símbolos que conhecemos nas mais variadas atividades. A razão suprema precisa do dogma para se comunicar com as inteligências finitas, pois passa do domínio das ideias para o das formas e participa dos dois mundos.

Os buscadores da luz não arrogam para si a infalibilidade, precisam da dualidade, do erro para poder vislumbrar a verdade,  reconhecendo-se buscadores e não dono da verdade demostram sua sabedoria, na modéstia e submissão à razão universal. Estes pelo menos conhecem o que ainda não podem se vangloriar de saber perfeitamente.  Para quem busca a verdade o caminho está na linha do meio, na retidão que se consegue a passos firmes, disciplinados e humildes. Junte-se ao equilíbrio todas as outras virtudes que permitem ao homem ser melhor e mais consciente de seu compromisso com o mundo físico e espiritual.


Trilhar o autoconhecimento se parece cada vez mais com a utopia, principalmente,  se perdermos o foco e nos detivermos nos detalhes do cotidiano, nas notícias de violência, no olhar tendencioso que só consegue enxergar  o mal em todos os lugares. Estar atento à dualidade e entender que a unidade se manifesta em um terceiro ponto, abre as portas para a compreensão e melhor tolerância ao mundo.  É como a gramática que atribui ao verbo três pessoas: a que fala, a quem se fala e a de quem se fala; a religião com seu mistério da Santíssima Trindade; as escolas de mistérios com seus símbolos; a ciência com suas teses, antíteses e sínteses; a política com seus antagonismos, críticas e  leis; a alma humana com seu pensamento, amor e ação; a família com o pai, a mãe e o filho. Enfim, o mundo se movimenta de acordo com seu ritmo e não depende mim ou de você para expressar sua perfeição, porque há uma inteligência universal que tudo permeia. Existe uma ordem natural, independente de nós ou de nossos julgamentos, que define um lugar no universo para cada coisa. Precisamos entender essa ordem e deixar que ela faça parte de nós e se exteriorize nas atividades. Os riscos são naturalmente assumidos quando as ações são dirigidas pelo sentimento de retidão.

 

Lidar com a dualidade sempre foi grande obstáculo para a evolução humana. Não dá para ser morno, tem que ser quente ou frio. Como o fiel da balança,  não podemos ser parciais ou tendenciosos.  Manter o equilíbrio propiciará maior visibilidade à ação, permitirá avaliar os dois lados da questão e partir para a ação justa, coerente, sensata.  Quando nos propomos levar uma vida justa e perfeita é a linha do equilíbrio que buscamos e para isso precisamos conhecer os dois lados, o da sombra e o da luz.